domingo, 13 de maio de 2018

ESCRITURA E TRADIÇÃO

 Permitem, com pronta facilidade, tanto a si mesmos como aos outros, ignorar, negligenciar, desprezar a verdadeira religião, que foi transmitida pelas Escrituras e que deveria ser mantida constante entre todos. E pensam pouco importar que alguém creia ou deixe de crer acerca de Deus e de Cristo, desde que, pelo que chamam fé implícita, submeta o entendimento ao arbítrio da Igreja. Nem se preocupam muito se ocorre que se conspurque a glória de Deus com vociferantes blasfêmias, contanto que ninguém levante um dedo contra o primado da sé apostólica e a autoridade da Santa Madre Igreja. 

Por que, afinal, lutam com tão acirrada virulência e ferocidade em favor da missa, do purgatória, das peregrinações e baboseiras tais, a ponto de negarem que tem de haver sã piedade, sem, por assim dizer, fé mais explícita nestas coisas, quando, entretanto, nada dessas coisas provam eles ser da Palavra de Deus? 

Por quê, senão porque Deus é seu ventre [Fp 3.19], a religião a cozinha, privados dos quais não só crêem que não serão cristãos, mas, realmente, nem ainda seres humanos? Ora, embora uns se empanturrem regaladamente, outros roam frágeis migalhas, todos, entretanto, vivem do mesmo caldeirão que, sem esses subsídios, não se esfriaria, não se congelaria de todo. Por isso, já que pelo próprio ventre cada um desses está extremamente solícito, assim cada qual se mostra acérrimo batalhador por sua fé. Enfim, todos à uma a isto se votam: ou preservar incólume o poder, ou abarrotar o ventre. Ninguém, contudo, dá sequer a mínima demonstração de zelo sincero.

João Calvino, As Institutas, ou Tratado da Religião Cristã Vol. 1, Edição Clássica (Latim) - Carta de Calvino ao Rei Francisco, da França (Primeira edição publicada em 1536).
Disponível em: http://www.protestantismo.com.br/institutas/joao_calvino_institutas1.pdf
Pg. 18-19

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